REGIME EDUCATIVO ESPECIAL APLICÁVEL AOS ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS
Decreto-Lei n.º 319/91,
de 23 de Agosto
A legislação que regula a integração dos alunos portadores de deficiência nas escolas regulares, publicada há mais de 10 anos, carece de actualização e de alargamento. A evolução dos conceitos relacionados com a educação especial, que se tem processado na generalidade dos países, as profundas transformações verificadas no sistema educativo português decorrentes da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, as recomendações relativas ao acesso dos alunos deficientes ao sistema regular de ensino emanadas de organismos internacionais a que Portugal está vinculado e, finalmente, a experiência acumulada durante estes anos levam a considerar os diplomas vigentes ultrapassados e de alcance limitado. Com efeito, foi considerada no presente diploma a evolução dos conceitos resultantes do desenvolvimento das experiências de integração, havendo a salientar:
A substituição da classificação em diferentes categorias, baseada em decisões de foro médico, pelo conceito de «alunos com necessidades educativas especiais», baseado em critérios pedagógicos;
A crescente responsabilização da escola regular pelos problemas dos alunos com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem;
A abertura da escola a alunos com necessidades educativas especiais, numa perspectiva de «escolas para todos»;
Um mais explícito reconhecimento do papel dos pais na orientação educativa dos seus filhos;
A consagração, por fim, de um conjunto de medidas cuja aplicação deve ser ponderada de acordo com o princípio de que a educação dos alunos com necessidades educativas especiais deve processar-se no meio menos restritivo possível, pelo que cada uma das medidas só deve ser adoptada quando se revele indispensável para atingir os objectivos educacionais definidos.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
As disposições constantes do presente diploma aplicam-se aos alunos com necessidades educativas especiais que frequentam os estabelecimentos públicos de ensino dos níveis básico e secundário.
Artigo 2.º
Regime educativo especial
1 - O regime educativo especial consiste na adaptação das condições em que se processa o ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiais.
2 - As adaptações previstas no número anterior podem traduzir-se nas seguintes medidas:
a) Equipamentos especiais de compensação;
b) Adaptações materiais;
c) Adaptações curriculares;
d) Condições especiais de matrícula;
e) Condições especiais de frequência;
f) Condições especiais de avaliação;
g) Adequação na organização de classes ou turmas;
h) Apoio pedagógico acrescido;
i) Ensino especial.
3 - A aplicação das medidas previstas no número anterior tem em conta o caso concreto, procurando que as condições de frequência dos alunos objecto da sua aplicação se assemelhem às seguidas no regime educativo comum, optando-se pelas medidas mais integradoras e menos restritivas.
Artigo 3.º
Equipamentos especiais de compensação
1 - Consideram-se equipamentos especiais de compensação o material didáctico especial e os dispositivos de compensação individual ou de grupo.
2 - Considera-se material didáctico especial, entre outros:
a) Livros em braille ou ampliados;
b) Material áudio-visual;
c) Equipamento específico para leitura, escrita e cálculo.
3 - Consideram-se dispositivos de compensação individual ou de grupo, entre outros:
a) Auxiliares ópticos ou acústicos;
b) Equipamento informático adaptado;
c) Máquinas de escrever braille;
d) Cadeiras de rodas;
e) Próteses.
Artigo 4.º
Adaptações materiais
Consideram-se adaptações materiais:
a) Eliminação de barreiras arquitectónicas;
b) Adequação das instalações às exigências da acção educativa;
c) Adaptação de mobiliário.
Artigo 5.º
Adaptações curriculares
1 - Consideram-se adaptações curriculares:
a) Redução parcial do currículo;
b) Dispensa da actividade que se revele impossível de executar em função da deficiência.
2 - As adaptações curriculares previstas no presente artigo não prejudicam o cumprimento dos objectivos gerais dos ciclos e níveis de ensino frequentados e só são aplicáveis quando se verifique que o recurso a equipamentos especiais de compensação não é suficiente.
Artigo 6.º
Condições especiais de matrícula
1 - Compreende-se nas condições especiais de matrícula a faculdade de a efectuar:
a) Na escola adequada, independentemente do local de residência do aluno;
b) Com dispensa dos limites etários existentes no regime educativo comum;
c) Por disciplinas.
2 - A matrícula efectuada ao abrigo da alínea a) do número anterior efectua-se quando as condições de acesso e os recursos de apoio pedagógico existentes facilitem a integração do aluno com necessidades educativas especiais.
3 - A matrícula efectuada ao abrigo da alínea b) do n.º 1 apenas é autorizada aos alunos que, devidamente avaliados e preenchendo condições a regulamentar por despacho do Ministro da Educação, demonstrem um atraso de desenvolvimento global que justifique o ingresso escolar um ano mais tarde do que é obrigatório ou que revelem uma precocidade global que aconselhe o ingresso um ano mais cedo do que é permitido no regime educativo comum.
4 - A matrícula efectuada ao abrigo da alínea c) do n.º 1 pode efectuar-se nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e no ensino secundário desde que se assegure a sequencialidade do regime educativo comum.
Artigo 7.º
Condições especiais de frequência
Consideram-se condições especiais de frequência as decorrentes do regime de matrícula previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior.
Artigo 8.º
Condições especiais de avaliação
Consideram-se condições especiais de avaliação as seguintes alterações ao regime educativo comum:
a) Tipo de prova ou instrumento de avaliação;
b) Forma ou meio de expressão do aluno;
c) Periodicidade;
d) Duração;
e) Local de execução.
Artigo 9.º
Adequação na organização de classes ou turmas
1 - O número de alunos das classes ou turmas que integrem alunos com necessidades educativas especiais não pode ser superior a 20.
2 - As classes ou turmas previstas no número anterior não devem incluir mais de dois alunos com necessidades educativas especiais, salvo casos excepcionais adequadamente fundamentados.
3 - O limite previsto no n.º 1 aplica-se apenas aos casos em que, de acordo com o órgão de administração e gestão da escola ou área escolar, as necessidades especiais dos alunos requeiram atenção excepcional do professor.
Artigo 10.º
Apoio pedagógico acrescido
O apoio pedagógico acrescido consiste no apoio lectivo suplementar individualizado ou em pequenos grupos e tem carácter temporário.
Artigo 11.º
Ensino especial
1 - Considera-se ensino especial o conjunto de procedimentos pedagógicos que permitam o reforço da autonomia individual do aluno com necessidades educativas especiais devidas a deficiências físicas e mentais e o desenvolvimento pleno do seu projecto educativo próprio, podendo seguir os seguintes tipos de currículos:
a) Currículos escolares próprios;
b) Currículos alternativos.
2 - Os currículos escolares próprios têm como padrão os currículos do regime educativo comum, devendo ser adaptados ao grau e tipo de deficiência.
3 - Os currículos alternativos substituem os currículos do regime educativo comum e destinam-se a proporcionar a aprendizagem de conteúdos específicos.
4 - As medidas previstas nos artigos anteriores podem ser aplicadas em acumulação com as estabelecidas no presente artigo.
Artigo 12.º
Encaminhamento
Nos casos em que a aplicação das medidas previstas nos artigos anteriores se revele comprovadamente insuficiente em função do tipo e grau de deficiência do aluno, devem os serviços de psicologia e orientação em colaboração com os serviços de saúde escolar, propor o encaminhamento apropriado, nomeadamente a frequência de uma instituição de educação especial.
Artigo 13.º
Competências
Compete ao órgão de administração e gestão da escola decidir:
a) Aplicar o regime educativo especial, sob proposta conjunta dos professores do ensino regular e de educação especial, ou dos serviços de psicologia e orientação, consoante a complexidade das situações;
b) O encaminhamento a que se refere o artigo anterior.
Artigo 14.º
Propostas
1 - As situações menos complexas cuja avaliação não exija especialização de métodos e instrumentos ou cuja solução não implique segregação significativa dos alunos podem dar lugar a propostas subscritas pelos professores do ensino regular e de educação especial, de carácter não formal mas devidamente fundamentadas.
2 - As situações mais complexas são analisadas pelos serviços de psicologia e orientação, em colaboração com os serviços de saúde escolar, e dão lugar a propostas formais, consubstanciadas num plano educativo individual, de acordo com os requisitos do artigo seguinte.
Artigo 15.º
Plano educativo individual
1 - Do plano educativo individual constam obrigatoriamente os seguintes elementos:
a) Identificação do aluno;
b) Resumo da história escolar e outros antecedentes relevantes, designadamente grau de eficácia das medidas menos restritivas anteriormente adoptadas;
c) Caracterização das potencialidades, nível de aquisições e problemas do aluno;
d) Diagnóstico médico e recomendações dos serviços de saúde escolar, se tal for adequado;
e) Medidas do regime educativo especial a aplicar;
f) Sistema de avaliação da medida ou medidas aplicadas;
g) Data e assinatura dos participantes na sua elaboração.
2 - O recurso à medida prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 2.º implica que no plano educativo individual conste:
a) A orientação geral sobre as áreas e conteúdos curriculares especiais adequados ao aluno;
b) Os serviços escolares e outros de que o aluno deverá beneficiar.
Artigo 16.º
Programa educativo
1 - A aplicação da medida prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 2.º dá lugar à elaboração, por ano escolar, de um programa educativo de que conste obrigatoriamente:
a) O nível de aptidão ou competência do aluno nas áreas ou conteúdos curriculares previstos no plano educativo individual;
b) Os objectivos a atingir;
c) As linhas metodológicas a adoptar;
d) O processo e respectivos critérios de avaliação do aluno;
e) O nível de participação do aluno nas actividades educativas da escola;
f) A distribuição das diferentes tarefas previstas no programa educativo pelos técnicos responsáveis pela sua execução;
g) A distribuição horária das actividades previstas no programa educativo;
h) A data do início, conclusão e avaliação do programa educativo;
i) A assinatura dos técnicos que intervieram na sua elaboração.
2 - O programa educativo previsto no número anterior é submetido à aprovação do órgão de administração e gestão da escola.
Artigo 17.º
Responsável
1 - A elaboração do programa educativo é da responsabilidade do professor de educação especial que superintende na sua execução.
2 - Na elaboração do programa educativo participam os técnicos responsáveis pela sua execução.
Artigo 18.º
Encarregados de educação
1 - A avaliação do aluno tendente à aplicação de qualquer medida do regime educativo especial carece da anuência expressa do encarregado da educação.
2 - Os encarregados de educação devem ser convocados para participar na elaboração e na revisão do plano educativo individual e do programa educativo.
Artigo 19.º
Revisão
1 - O plano educativo individual pode ser revisto sempre que o aluno mude de estabelecimento de ensino ou área escolar ou quando seja formulado pedido fundamentado por qualquer dos elementos responsáveis pela sua execução.
2 - O programa educativo dos alunos que transitem para outro estabelecimento de ensino no decurso do ano escolar poderá ser revisto quando se verifique a sua inexequibilidade ou mediante pedido fundamentado por qualquer dos elementos responsáveis pela sua execução.
3 - Nos casos previstos nos números anteriores o plano educativo individual ou programa educativo deve ser submetido à aprovação do órgão de administração e gestão da escola no prazo de 30 dias.
Artigo 20.º
Certificado
Para efeitos de formação profissional e emprego o aluno cujo programa educativo se traduza num currículo alternativo obtém, no termo da sua escolaridade, um certificado que especifique as competências alcançadas.
Artigo 21.º
Educação pré-escolar e ensino básico mediatizado
Por portaria do Ministro da Educação serão fixadas as normas técnicas de execução necessárias à aplicação das medidas fixadas neste diploma à educação pré-escolar e ao ensino básico mediatizado.
Artigo 22.º
Regime de transição
1 - Nos estabelecimentos de ensino ou áreas escolares em que não tenham sido criados os serviços de psicologia e orientação, o plano educativo individual é elaborado por uma equipa de avaliação, designada para o efeito pelo órgão de administração e gestão da escola.
2 - A equipa referida no número anterior tem a seguinte composição:
a) Um representante do órgão de administração e gestão da escola;
b) O professor do aluno ou o director de turma;
c) O professor de educação especial;
d) Um psicólogo, quando possível;
e) Um elemento da equipa de saúde escolar.
3 - A equipa de avaliação é coordenada pelo órgão de administração e gestão da escola ou seu representante, que promove as respectivas reuniões.
4 - Até à plena aplicação do modelo de direcção, administração e gestão instituído pelo Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de Maio, as competências atribuídas pelo presente diploma ao órgão de administração e gestão da escola são exercidas, nos estabelecimentos do 1.º ciclo do ensino básico, pelo órgão com competência pedagógica.
Artigo 23.º
Condições de aplicação
As condições e os procedimentos necessários à aplicação das medidas previstas no n.º 2 do artigo 2.º são estabelecidos por despacho do Ministro da Educação, que determinará ainda as condições de reordenamento e de reafectação dos meios humanos, materiais e institucionais existentes no sistema educativo, visando atingir a máxima eficácia social e pedagógica na prossecução das medidas constantes do presente diploma.
Artigo 24.º
Revogação
São revogados os seguintes diplomas:
a) Decreto-Lei n.º 174/77, de 2 de Maio;
b) Decreto-Lei n.º 84/78, de 2 de Maio.